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Jorge Amado considerava São Jorge dos Ilhéus (publicado em 1944) uma continuação natural de seu romance anterior, Terras do sem-fim (1942). Se este, ambientado no campo, narra a saga dos pioneiros e as guerras sangrentas pela posse da terra, aquele, tendo Ilhéus como cenário principal, fala do momento em que, pacificada, a região colhe os frutos da exportação de cacau e se moderniza. Nesse contexto, em que os confrontos de jagunços foram substituídos pelo jogo na bolsa de valores e pelas intrigas políticas, pululam os personagens mais díspares: prostitutas, jogadores, exportadores estrangeiros, militantes comunistas, filhos de coronéis transformados em bacharéis ociosos, poetas de fim de semana, artistas de cabaré. Durante uma alta de preços forçada astuciosamente pelos exportadores, com o intuito de ludibriar os velhos coronéis e açambarcar suas terras, a cidade de Ilhéus vive uma breve idade do ouro, com uma vida noturna vibrante, e recebe aventureiros de todos os pontos do país e até do exterior. Jorge Amado entrelaça os destinos de uma dúzia de personagens das mais variadas extrações, narrando de modo envolvente seus dramas e suas comédias, seus sonhos, traições, vinganças. Este e-book não contém as imagens presentes na edição impressa.
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3º Volume do ciclo do cacau
São Jorge de Ilhéus é a continuação de Terras do sem fim.
Enquanto no primeiro Jorge Amado mostrou-nos uma luta sangrenta pela posse das terras, neste a luta é essencialmente comercial.
Há personagens que regressam - o Capitão João Magalhães, Don'Ana Badaró, Munda e Antônio Vítor - e somos apresentados a novos personagens, os seus descendentes, Dr. Rui Dantas, Silveirinha e Joaquim, entre outros.
Após terminarem os conflitos pela posse das terras de Sequeiro Grande assistimos aos tempos áureos das plantações de cacau, ao aumento dos preços no mercado internacional e à circulação das riquezas pelas terras de Ilhéus, Itabuna etc.
Os coronéis, cheios de dinheiro, endividam-se para sustentar as amantes, o jogo e os vícios e acabam nas mãos das empresas exportadoras que na baixa do preço do cacau lhes ficam com as terras.
As personagens femininas são fortes, marcadas pela resistência e pelo sofrimento.
É um livro que me envolveu devagarinho e que às páginas tantas não o queria por de parte nem acabar de lê-lo.
Maneca Dantas andava desanimado. Disse:— A gente passou a vida toda na roça, derrubou mata, brigou, matou gente, derramou sangue de cristão...Sérgio ouvia interessado. Maneca Dantas fitava as luzes de Ilhéus:— Plantamos cacau, fizemos roça, a gente nunca se divertiu, a gente fazia tudo era mesmo pros filhos. E veja o senhor, seu Sérgio, os filhos da gente não deram pra nada, a não ser para beber cachaça e andar com rapariga... — Lembrava-se de Rui. — Ou pra coisas piores... Pra isso não valia a pena a gente ter trabalhado tanto...Calou, o poeta não disse nada. Maneca Dantas voltou a falar:— E agora ainda tomam as terras da gente, deixam a gente na pobreza... Tou velho, seu Sérgio, de que valeu trabalhar tanto, matar gente, passar cinquenta anos enterrado na mata? Pra ganhar o quê? Pra terminar pobre...Então o poeta apontou as luzes da cidade lá embaixo:— Pra fazer isso, coronel! Valeu a pena. Os senhores fizeram tudo que está aí... Pensa que é pouco?Maneca Dantas concordava, sem entusiasmo nem alegria:— Só que não é mais da gente...Quando, na outra noite, Sérgio voltou a visitar Joaquim, contou ao militante a conversa que tivera com Maneca Dantas. Joaquim se levantou da cadeira e disse:— Companheiro Sérgio, o tempo deles passou... Agora começou o tempo dos exportadores, que é o tempo do imperialismo. Mas também esse tempo vai passar. Primeiro, eles vão brigar entre eles mesmos.Sérgio noticiou:— Karbanks e Schwartz já estão em luta. Os integralistas combatendo Carlos Zude...— Está vendo? De um lado os alemães, do outro os americanos. O tempo deles também vai acabar, vai começar o nosso tempo, companheiro Sérgio...Saíram, andavam para os lados do cemitério. Lá embaixo eram as luzes da cidade. O poeta Sérgio Moura via o dragão sobre Ilhéus, de garras estendidas, cem bocas famintas. E pensava que, se na véspera havia conversado com o passado, agora estava conversando com o futuro. Joaquim falava com convicção, a voz profunda que parecia chegar do coração pleno de fé:— Primeiro a terra foi dos fazendeiros que conquistaram ela, depois mudou de dono, caiu na mão dos exportadores que vão explorar ela. Mas um dia, companheiro, a terra não vai ter mais dono...Sua voz subia para as estrelas, cobria as luzes da cidade:— ...nem mais escravos...