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Federico é calado, activista, revoltado, tem a pele clara e «cabelo lambido». Lourenço é tranquilo, professor de basquete, «gente boa», negro. Os dois, tão diferentes, são irmãos e partilham uma vida entre os subúrbios violentos de Porto Alegre, onde cresceram, e a tensão racial crónica de toda uma sociedade — ambos representando ao longo de duas vidas paralelas, com uma actualidade desarmante, as várias faces de um Brasil agitado, marcado por vários traumas e enormes abismos. Lançado no Brasil em 2019, Marrom e Amarelo esgotou a primeira edição e já vendeu os direitos para uma adaptação cinematográfica. «Lourenço conferiu as fotos e me falou Tu sempre insiste em não usar flash, Derico, Mas tem que usar flash comigo, senão quando tá assim meio escuro eu não apareço direito, Disse aquilo com uma tranquilidade cortante, Balancei a cabeça, mostrei que tinha entendido, No início do show, avisei que ia pegar duas cervejas pra nós, saí da pista, mas não fui até o balcão, fui até o banheiro, entrei num dos boxes das privadas, fechei a porta e chorei, chorei como não chorava há um tempão, Você entende, perguntei, Sou tão orgulhoso e envaidecido de ser o irmão mais velho, De ser o protetor, Mas, droga, levei anos, décadas pra perceber aquele detalhe tão óbvio e tão importante, Imagina o resto, falei.»
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Ultimamente tenho lido textos importantes e esse foi um deles. Aborda de maneira fluida e quase como em fluxo de pensamentos (junto a falas e situações) o dia a dia intercalado no presente, quando é parte de uma comissão que visa discutir a implementação de cotas raciais; e no passado de Federico, que nos faz perceber o racismo e refletir sobre como a sociedade se comporta com questões de colorismo, preconceito e desigualdade ao mesmo tempo em que vive situações delicadas que vão repercutir no presente, na vida da sua família. O livro aborda questões que possuem muita discussão mas que não são fáceis de serem resolvidas em uma época que o Brasil se via sob um governo que chegou ao poder de maneira díficil - pra se dizer o mínimo, com lembranças da ditadura e remete muitas vezes à questão “quem é a população negra brasileira?”.
Disunited Colours of Brazil
Se há uma coisa que Paulo Scott consegue fazer neste pequeno romance é juntar uma série de temas num assunto ainda maior, e cujo debate é uma constante na sociedade brasileira, A hierarquia racial no Brasil.
É inexplicável como um país com a maior miscigenação do mundo continua sem conseguir assumir o que é, e insiste em olhar-se ao espelho e ver aquilo que não é.
(...) Brasil, país sonâmbulo, gigante ex-colônia da coroa portuguesa na América do Sul, rotulado mundo afora como o lugar da harmonia étnica, da miscigenação que tinha dado certo,(...)
Não! O Brasil não é um lugar de harmonia étnica, e o Sul, por razões históricas, é talvez o lugar onde o racismo é mais vincado, não tivesse sido o Rio Grande do Sul colonizado por alemães, italianos e açorianos (portugueses).
E se hoje em dia ainda é descaradamente visível essa separação social, por pantone, na sociedade gaúcha, resta-nos imaginar como seria nos anos 70 e 80 do século XX.
No início da história acompanhamos as motivações e propostas de cada um dos membros de um grupo de trabalho que tem em mãos a elaboração de software de avaliação e padronização para fins de seleção em primeira instância administrativa dos candidatos pretos, pardos e indígenas a vagas reservadas para cotistas no ensino público federal.
Simultaneamente conta-nos a história de dois irmãos pertencentes a uma família multirracial, em que um [Federico ] de pele bem clara, cabelo liso castanho bem claro puxando pro loiro, era considerado um branco, e ele, o meu irmão, [Lorenzo] de pele marrom escura, cabelo crespo castanho-escuro beirando o preto, embora com o mesmo nariz adunco e médio largo que o meu e a mesma boca de lábio superior fino e lábio inferior grosso que a minha, era considerado um negro,
A narrativa não é linear, o presente e o passado dos irmãos vai-se misturando, e actos do passado vão ter repercussões no presente.
Há na escrita de Scott um sentido de urgência, parágrafos enormes que nos tiram o folego e uma certa oralidade na escrita, que nos empurra constantemente para a próxima página.
Há muitos assuntos abordados (racismo, cotas raciais, militância, humilhação racial, branquitude, colorismo etc) que poderiam ter sido mais explorados, mas que a uma certa altura desaparecem da história.
A mesma coisa acontece com as personagens, tirando o amarelo pouco ou nada ficamos a saber dos outros.
Embora ache que é um bom livro, fiquei com aquela sensação de muita parra pouca uva.